Wednesday, January 10, 2007

Untitled - Part II

João olha para o relógio. Está 5 minutos atrasado... 6 minutos atrasado, o tempo continua a correr, e cada vez que olha para o relógio mais inconformado se sente, pois cada vez mais o tempo passa mais depressa.

A casa da Inês fica por detrás deste quarteirão - pensa - e os carros não andam... São dois minutos a pé! - atira - ao mesmo tempo que faz pisca, ao ver um carro a sair do estacionamento. A caminho do prédio da Inês, passa por um pequeno canteiro onde cresce uma roseira trepando pela rede que o protege, e tira uma pequena rosa que florescia já fora do tempo.
Mais de vinte minutos atrasado, pensa, enquanto olha inconformadamente para o relógio, antes de tocar à campainha.
Inês abre a porta do seu apartamento. Sorri, mas deixando transparecer o desagrado por João estar atrasado.
- Já ponderava se terias desistido... - diz Inês, em forma de desabafo.
- Desculpa Inês. - responde João, enquanto entra.
Sorrindo desajeitado e timidamente, mostra a rosa protegida dentro da sua mão. - É para ti...

Inês, surpreendida, sorri abertamente como uma criança. Foi apanhada desprevenida, e a agradável surpresa perdoou o atraso. Convida-o a entrar na sala. Era uma sala grande, com um grande sofá no canto oposto à porta, de tecido verde escuro, contrastando com as paredes de uma cor amarela, não muito escura, agradável. Ao lado do sofá, uma janela com a cortina entreaberta permitia ver de relance um pouco da cidade de Lisboa. No canto em frente ao sofá, em móvel simples, mas bonito, encontrava-se a televisão, desligada. Na parede ao lado da televisão, um móvel de madeira maciça, impecavelmente envernizado, cheio de livros ordeiramente colocados nas duas prateleiras superiores, e por baixo, uma moderna aparelhagem aonde se podia ouvir, em volume baixinho e agradável, Staind. Na parede oposta à janela, uma mesa de vidro com algumas fotografias de Inês, com os irmãos de férias em Itália, com os pais em Sintra, sozinha, sentada na beira de uma falésia, de um local desconhecido. Por cima desta mesa, uma réplica do quadro "A Persistência da Memória", uma das obras mais famosas do pintor surrealista Salvador Dali. No centro da sala, uma mesa elegantemente colocada para duas pessoas.
- Podes sentar-te um bocadinho. - diz Inês indicando para o sofá com a mão - Estava à tua espera para acabar de fazer o jantar.
- Algo em que possa ajudar?
- Não, deixa-te estar - responde Inês com um sorriso.

Havia algo no João... Algo inexplicável que a atraía, que a fascinava... Com o passar do tempo, as reuniões de trabalho, as ideias partilhadas para os projectos pendentes, a dedicação criativa e o espírito alegre, tudo isto fez nascer em Inês uma admiração por João, uma admiração carinhosa que se expressava no desejo de que tudo neste jantar fosse perfeito.

Enquanto esperava na sala, João repara que em cima de um móvel estava uma caixa com velas, e ao lado o seu suporte. Uma leve camada de pó dava a entender o pouco uso aplicado àqueles objectos. Olhou para o corredor que dava para a cozinha, e vendo que Inês não vinha, coloca duas velas na mesa, voltando a sentar-se no sofá de seguida.
Inês entra na sala com uma travessa, e olha admirada para a mesa, soltando involuntáriamente um terno sorriso. Tudo estava a correr melhor que alguma havia pensado.

Durante o jantar abordam-se trivialidades. Falam de música e de cinema, de arte e de locais visitados. Subtilmente, João questiona-a sobre o seu passado amoroso.
Inês acabou o seu último relacionamento à mais de um ano, e desde aí não voltou a ter outro, em parte devido à mágoa da traição do namorado com uma sua amiga de infância, em parte devido à decisão de se dedicar à carreira.
Quando questionado por Inês, também curiosa, João respondeu vagamente que a mulher que um dia amara saíra da sua vida repentinamente, e mudou de assunto.

Após o jantar, Inês convidou-o a sentar-se no sofá.
Conversam sobre a faculdade, o percurso as suas carreiras, e Inês, suavemente, encosta-se a João, que a acomoda com um suave abraço.
Ao olhar para o relógio, João, que havia perdido a noção das horas ao longo da conversa, fica surpreendido ao ver que já são 2 da manhã.
Levanta-se. Inês acompanha-o à porta.
- Obrigado pelo jantar... Estava óptimo. E pelo agradável serão... - diz João em tom baixo.
- O serão só foi agradável devido à tua companhia! - deixa escapar Inês, incerta sobre se o queria deixar sair.
João olha-a fixamente, sem saber o que dizer.
- Tenho de ir... - diz, com voz suave.

- Boa noite João, até amanha... - diz então Inês com um sorriso.
João abre a porta, e olha para Inês, que o observa, agora imóvel. João dá-lhe um beijo nos lábios, impulsivamente.
- Adeus, até amanhã. - Solta

Dirige-se ao carro, em passo lento, enquanto pensa no que acabou de acontecer. O coração bate acelerado.
Entra no carro e senta-se, inerte, deixando-se invadir por um sentimento, um sentimento forte, quente, que não o deixa pensar, que o impele a voltar para trás e tomá-la nos seus braços.
Estou apaixonado... - suspira.

(to be continued...)